quinta-feira, outubro 18, 2007

silêncio

Sabes a sala de que tanto falamos? Acho que nunca te cheguei a contar mas a sala sempre foi um sítio em constante mutação para mim. Quando começamos a falar dela via-a quase como que uma bolha transparente. Apenas quatro paredes brancas com um sofá igualmente branco no meio. Um lugar onde o ar era mais leve, onde a luz da manhã entrava não sei bem de onde, um lugar sereno quase etéreo. Um lugar onde o silêncio reinava. Depois comecei a vê-la como a sala de estar de um apartamento num andar alto no centro da cidade. Aqui o ambiente era completamente diferente - sempre a vi ao anoitecer, onde as únicas luzes eram as da cidade lá fora que entravam pelas vidraças grandes e salpicadas pela chuva, e a luz da aparelhagem. Desta vez consigo ver-me dentro da sala - sentada no sofá macio, castanho-chocolate com as pernas esticadas para cima (sim, eu sou incapaz de me sentar direita num sofá até na minha imaginação!) e com um copo de brandy na mão (não, não sei porquê brandy mas não deixes que os pormenores te prendam). E até aqui, onde o jazz enchia a sala e me inebriava, era o silêncio que reinava dentro de mim. Agora, a sala é, mais uma vez, completamente diferente. Fica num duplex, perdido algures num sítio que não traz qualquer reminiscência, e ocupa todo o andar de cima. Subo as escadas de madeira e vejo a lareira no centro da sala. A luz, vinda das vidraças que dão para as varandas dissimulas em lados opostos da sala, inunda todo o espaço e a minha alma também. As almofadas e o cobertor estendido no chão ao lado da lareira convidam-me a deitar. Ignorando a escassa mobília em redor deito-me e fecho os olhos. É aqui que, finalmente, o tempo pára. É aqui que fujo do mundo, que me liberto de todas as preocupações mundanas. É aqui que apenas sou. Começo a sentir os meus pés a tocarem a areia ao de leve e o sol a acariciar-me a pele como um amigo que veio para brincar até que me queima e é então que mergulho no mar e me deixo ficar a navegar por entre a ondulação. E, apesar do som ensurdecedor da rebentação, é o silêncio que ainda reina dentro de mim. Percebo, finalmente, que não era a sala que eu tanto procurava mas sim a praia que acabei por encontrar. Abro os olhos e deixo o cobertor com pesar, a realidade chama por mim, mas desta vez vou sem medo - a sala pode mudar de forma, de sítio, de decoração - porque tenho a certeza que sempre que eu precisar ela vai saber levar-me até à praia.

"I say love I say love And there's no one I would rather be with, Nothing I would rather do, Cus I've got this dream, A heart that beats outside this silent world And I've got you"
Silent Void - David Fonseca

2 comentário(s):

Celi M. disse...

Ouvi a musica na mh cabeca mesmo antes d a ler. E antes d a ler ia comentar com um simples =)

linfoma_a-escrota disse...

SALA DE AULA

O sol ilumina súburbios cinzentos
afundados na poluição gananciosa
(quase palpável,
flutua pelos rostos angustiados,
toco-lhe a cada passo que sonho
quando desejo fugir),
através dos vidros duplos do takeover
aquece-se a sala quente
recheada de esfinges frescas
sedentas de desejo de florescer
e, em anonimato,
aprender seu percurso até à morte.

Algo cansativo é expresso com eloquência,
o sono é horroroso
neste ambiente sufocante de conhecimento o
desconhecido incute ideologias de burocracia,
a dúvida permanece virgem, sem convicção
a erecção é desregulada, atitude falsa é
meu único cordão umbilical a favor da inocência.
Não sei que quererei, deixar passar o autocarro,
mas poeta em mim não existe
ou alarmes de consciência soariam,
a inércia seria um cataclismo
onde todos se molhariam,
tornar-se-iam velhos utéis e pegajosos,
honestidades viriam à superfície da boa educação
e o calor contido da sala branca
seria uma orgia libertadora, ninguém mentiria,
o cheiro a detergente evaporar-se-ia
o suor tomaria conta das ilusões a curto prazo
e ninguém sofria mais, nunca mais.

Reflecte-se no olhar que olha a folha onde escreve,
silêncio que magoa, aguça-se a paranóia
plebeia como estranhos num transporte público
a ouvir pregadores de peixes dizer-te
que não serás absolutamente nada
que tão ardentemente desejas ser acima de tudo
se não seguires seus passos,
sentires sacras regras do único caminho possível
fazerem sentido em teu ser analfabeto,
por desabrochar num robot cujas directivas
se fotocopiam sem identidade,
umas seguidas das outras, torturas
dos enforcadores de seres humanos.

2002
in fotosinteses


smiles há muitos oh celi!!
~



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