terça-feira, maio 16, 2006

cicatrizes

Caí. Estou sentada no chão a ver o sangue que me escorre das mãos. As lágrimas caem em catadupa pelo meu rosto – silenciosas. Estou só. Queria ter cinco anos para encher os pulmões, abrir a goela e gritar pela minha mãe com todas as forças. Para ela pegar em mim ao colo e me dizer que está tudo bem, que o dói-dói vai passar… mas não tenho cinco anos. Tenho vinte e estou no chão, a chorar e a sangrar. Sozinha. Se, ao menos, tu estivesses aqui para me lamber as feridas, para lamber o sal das minhas lágrimas…
Mas não foi enquanto fugia de ti que caí? Não foi em ti que tropecei? Não foi por fugir para o lado errado que se me abriram mais as feridas? E sangro. E choro. Em silêncio. Sozinha. A poeira à minha volta não me deixa ver, mas sei que já não estás aqui. Também tu correste para longe, para amanhã. Porque não tens passado, nem presente. Só essa avidez pelo futuro e bebes tudo com sofreguidão para que passe depressa. Tudo é vida por viver. Queres sempre mais, mais e mais. E eu não vivo de esperanças, vivo de nostalgias.
Caí. Não me dói o corpo, mas a alma. No coração corre-me muito mais sangue que nessas feridas que me fizeste. Já não choro. As lágrimas sequei-as. Sozinha. As feridas lambi-as. Fechei-as. Sozinha. Agora são só cicatrizes para me lembrar de ontem.
Hoje vi as minhas mãos… eram de mulher.

sexta-feira, maio 05, 2006

morte

Sempre disse que não queria aquela vida para si. Sempre afirmou para si própria com toda a convicção do seu ser que nunca quereria aquele pedaço dele. Repetia-o constantemente, mas andava a enganar-se. Ela queria. Ela quer. Quer aquele pedaço dele com todas as suas forças. Deseja-o ardentemente porque, no fundo, sabe que é só o que alguma vez terá dele. Sempre disse que queria a essência maior, o ser mais puro, mas na verdade quer aquele pedaço – o rasgado, batido, oferecido ao desbarato nas calçadas gastas da sua cidade. Quer o amor sujo das roupas no chão. Quer o amor que não é amor, é só restos deles. Quer a respiração curta porque sabe que nunca terá os seus suspiros. E esquece os poemas, o amor maior que sonhava querer. E foge. Foge dela, para longe. Foge de si própria para se oferecer a ele como nunca se ofereceu a ninguém! Como ele nunca se ofereceria a ela… Vendida. Por nada. Ninguém paga nada. E a indiferença mata. A indiferença dele mata-a.